Sexta-feira, 16 de Setembro de 2011

O triunfo da luz

 

"Midnight in Paris"

 

Adriana: That Paris exists and anyone could choose to live anywhere else in the world will always be a mystery to me.

 

 

Woody Allen já foi brilhante muitas vezes, de muitas maneiras diferentes. Já foi cómico, no sentido surreal e intelectual do termo, já analisou as idiossincracias da sociedade e dos seus habitantes neuróticos, já mostrou a face trágica dos relacionamentos, e já foi nostálgico. Sou fã de todas essas suas facetas, mas Allen nunca foi tão mágico e tão luminoso. E mais do que isso, uma obra sua nunca significou tanto para mim.

Já ganhou Óscares, e mesmo não sendo um realizador apreciado entre sectores demográficos muito alargados, o seu contributo à sétima arte está mais do que reconhecido. Com todos os triunfos aparentemente já conquistados, Woody Allen podia reformar-se e viver tranquilo à custa de velhas conquistas, seria o comportamento expectável. Ninguém diria que seria agora que iria produzir a maior das suas obras-primas.

Como é que isso foi possível? Simples. Porque apesar da atitude descontraída em relação ao que faz, o Cinema é aquilo que nasceu para fazer, e irá continuar a fazê-lo com uma paixão incansável.

  

Já simpatizei anteriormente com a personagem típica de Allen, e as dúvidas existenciais que foi expondo ao longo da filmografia do realizador. Porém, as dúvidas àcerca da finalidade da existência são algo com que todos nos identificamos, e são muito fáceis de ter. Não é difícil constatar que não há um sentido para a vida, que a existência do Homem é fruto do acaso ou que o ser humano tem falhas na forma como se relaciona entre si que provavelmente nunca irá contornar. Também não é difícil encontrar um sentido para a vida. Há imensas respostas, e são-nos atiradas à cara diariamente, tanto por livros de ajuda espiritual ou religiões mais ou menos sérias, como por anúncios de televisão. O que é mesmo difícil, é agarrarmo-nos a uma resposta, e construirmos um sentido para nós e para os outros a partir dela.

É esse o grande tema de "Midnight in Paris".

 

Mais do que simpatizar, identifico-me com Gil. Identifico-me com ele porque também sonho com a escrita, porque também adoro andar pelas ruas das cidades, tanto de dia como à noite, também vejo uma beleza refrescante quando esses passeios são feitos à chuva, e também me sinto diversas vezes perdido no tempo e no espaço. Partilho daquele sentimento nostálgico por uma época de ouro perdida algures no passado, e uma das minhas épocas de eleição são também os anos 20.

Gil é felizardo o suficiente para encontrar uma passagem para essa época de sonho, e além dos seus artistas de eleição, como Scott Fitzgerald e a sua esposa Zelda, Ernest Hemingway, Salvador Dalí e Cole Porter, conhece Adriana, a encarnação feminina perfeita daquele tempo, e não podia haver uma melhor Adriana que Marion Cotillard, a actriz mais bela da actualidade. Cotillard é abençoada com a aura de encanto de uma musa perfeitamente fora do seu tempo, o que a torna na personificação ideal de uma beleza distante e quase inatíngivel.

 

Graças ao talento de Allen para dar em pequenas frases e pequenos momentos uma grande dimensão às personagens, os heróis de Gil não são simples caricaturas. Só que também não são um retrato fiel, puro e duro, daquilo que foram estas pessoas na realidade. Um retrato assim teria de mostrar tanto o preto como o branco das suas vidas, assim como as áreas cinzentas da sua personalidade, e este é um retrato de um fã. Tem os seus alicerces na realidade que se conhece do período de vida destas celebridades em Paris, construindo a partir daí um retrato baseado na forma como Gil, e qualquer fã, as vê e como idealiza que fosse a sua companhia.

 

Esta personagem interpretada por Owen Wilson tem traços claros de Woody Allen, contudo é muito diferente do protagonista clássico do realizador. A "personagem de Woody Allen", que o próprio Woody Allen tantas vezes interpretou, intelectualizava demasiado a realidade, é alguém para quem a vida não faz sentido, enquanto que Gil é alguém que tem um sentido para a vida, só que este se encontra perdido numa época diferente.

Não é por acaso que a figura do intelectual moderno é satirizada neste filme através do pedante que Michael Sheen interpreta. Allen submete a perspectiva intelectual e estritamente racional de olhar o mundo, a uma paixão impressionante pela vida. Já retratou fielmente as batalhas existenciais dos intelectuais nova-iorquinos, mas esse era o tempo de "Annie Hall", um tempo que precisava desse olhar intelectual. O nosso presente precisa de redescobrir o amor pela sociedade humana seja de que maneira for, e Woody Allen apresenta-nos uma opção, redescobri-lo através de Paris.

Gil ama a vida porque ama Paris, tanto a do passado como a do presente, uma cidade que é um monumento ao que a sociedade humana é no seu melhor.

 

Os parentes mais próximos de "Midnight in Paris" são outras duas cartas de amor recheadas de nostalgia, "The Purple Rose of Cairo" e "Radio Days". Na primeira há um amor impossível entre uma personagem de Cinema e uma fã, na segunda, Woody Allen retrata o crescimento acompanhado pela rádio. Juntamente com esta viagem a Paris, são os momentos em que Allen se confessa comovido pelo passado, mas antes de Paris, o passado era apenas um bem perdido. Outro parente é "Manhattan", por já ter aí mostrado o amor por uma cidade como âncora da existência, e agora em Paris, adiciona esse amor ao sentimento de nostalgia, para criar o seu filme mais assumidamente bonito.

 

A nossa época precisa de um incentivo a abraçar a alegria da vida, e mais importante, precisa de um incentivo que ao contrário dos anúncios publicitários e dos finais cor-de-rosa, soe a algo verdadeiro. E "Midnight in Paris" tem uma joie de vivre impressionante, mas honesta. A realização final de Gil é amarga, mas necessária para que ele, e nós, saibamos como retirar alegria do nosso descontentamento com o tempo em que vivemos.

À meia-noite em Paris, triunfa a luz. O sonho da época de ouro ilumina-nos o presente, sempre que este é insatisfatório, porque é por isso que sonhamos com outros tempos. Precisamos de encontrar o melhor recanto possível do planeta, a nossa Paris, e depois sonhamos, para que esses sonhos dêem ao mundo que nos rodeia o que nele falta para se aproximar do nosso paraíso pessoal.

Acredite quem estiver a ler, que raramente me senti tão iluminado na escuridão da sala de Cinema. 

 

 

10/10

 

 

 

publicado por RJ às 02:24
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A inteligência por detrás do novo terror

 

Assisti à masterclass que Eli Roth deu no último dia do festival Motelx no Cinema São Jorge em Lisboa, e gostaria de deixar por aqui alguns pensamentos relativamente ao que esse ilustre convidado disse por lá.

 

Antes de mais, Eli Roth foi um convidado fantástico. Notava-se um grande prazer por estar ali, o que é sempre de louvar, estabeleceu um excelente contacto com o público com um óptimo sentido de humor, e partilhou ideias e experiências como se estivesse sentado no café connosco. Foi uma experiência fantástica e se alguém relacionado com a organização do Motelx ler isto, que fique a saber que acho que o festival está de parabéns.

 

O terror mudou depois do 11 de Setembro. Com a masterclass a ter lugar no décimo aniversário dessa data fatídica, o tema era inevitável. Os próprios filmes de Roth são ilustrativos do medo que passou da realidade americana para o Cinema, o medo do outro, o medo do desconhecido, e o medo do que está além fronteiras.

Confirma-se pois que este é um género que não deve ser considerado redutor. A resposta de Eli Roth ao choque e à desaprovação que muitos mostraram no passado em relação aos seus filmes, nomeadamente aos "Hostel", com a sua violência gráfica que marcou o surgimento do torture porn, foi elucidativa disto mesmo. Parafraseando, disse que muitos procuram criticar a violência que vêem retratada em filmes, para mostrarem como têm padrões morais elevados, sem se darem conta daquilo que os filmes representam mesmo.

Por detrás da violência de "Hostel" estão críticas profundas à sociedade moderna e mais especificamente, à sociedade americana. Não é difícil de imaginar que o negócio obscuro retratado no filme (uma organização que oferece ao sector rico da população a oportunidade de experimentar matar alguém), pudesse ser uma realidade. E o retrato propositadamente caricatural do Leste europeu que os protagonistas americanos visitam, não pretende reduzir a Europa, mas expôr a imagem risível que a população americana tem do continente do outro lado do Atlântico.

 

Eli Roth deu provas de ser tudo menos um jovem realizador americano burro. Não só a cultura que tem relativamente ao que existe fora das fronteiras dos EUA ultrapassa largamente a da maioria dos seus compatriotas, como a visão que tem para o Cinema que pretende ajudar a fazer revela inteligência, bom gosto e muito respeito pelo passado.

Apadrinhado por Quentin Tarantino, mostra como este último, um gosto pelo estilo cinematográfico do passado, mais precisamente pelo terror das décadas de 70 e 80. É esse estilo que incorporou no seu Cinema que mostrou a Tarantino e ao mundo, como ele é o "futuro do terror". Eli Roth pertence a uma jovem geração que apesar de ser jovem, ouviu atendamente o que os mais velhos lhe tinham para ensinar, e rejeitou a educação da MTV.

 

Só resta dizer que espero que a próxima visita de Roth não demore muito, e que o próximo Motelx seja igualmente lendário.

 

 

 

publicado por RJ às 02:23
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Sábado, 10 de Setembro de 2011

À sombra da bananeira

 

"The Ward"

 

Kristen: Look at me!
Sarah: Sorry, I don't converse with loonies.

 

 

John Carpenter é um realizador de culto, sendo o seu génio reconhecido sobretudo pelo seu grupo de fãs, que partilha entre si e venera as várias pérolas cinematográficas que criou ao longo da sua carreira. Não é muito apreciado pelo grande público, mas tem um nicho de admiradores incrivelmente forte, no qual eu me incluo. Incluo-me nesse nicho porque grande parte do meu primeiro contacto com o Cinema, foi feito através de clássicos como "Escape From New York" ou "Big Trouble in Little China".

Estamos perante um realizador que atingiu o seu pico na década de 80, os seus clássicos são prova de um estilo e de uma forma de desfrutar um filme, muito diferente dos dias de hoje. E a verdade é que Carpenter aterrou nos anos 2000 como um peixe fora de água, como já era visível no "Ghosts of Mars" de 2001, e como é ainda mais visível neste seu regresso.

A magia que fazia no seu auge já é difícil de reproduzir, porque vive-se o Cinema de forma diferente. J. J. Abrams ressuscitou o "estilo sci-fi familiar" de Steven Spielberg no "Super 8", criando uma homenagem fabulosa a esses bons velhos tempos, mas Carpenter resolveu seguir outro caminho, e adaptar-se para sobreviver.

 

É um filme de John Carpenter feito por um John Carpenter encostado à sombra da bananeira. 90% do filme é terror feito segundo o manual para iniciantes: a rapariguinha loira está bem, a câmara desvia-se, e quando volta está um cadáver em decomposição ambulante atrás dela e toda a plateia dá um gritinho, como se ninguém estivesse à espera... Os outros 10% são um final que, apesar de soar a cliché é executado com elegância suficiente para conseguir resultar.

Quando se estava à espera que tudo seguisse de facto o caminho do costume, Carpenter puxa a reviravolta que já todos conhecem da manga, e mesmo assim apanha-nos um pouco desprevenidos. É que por estar tudo a seguir um caminho tão previsível (as meninas vêem fantasmas mas ninguém acredita, o fantasma vai atacando as meninas uma a uma, etc), até um twist tão familiar como aquele se torna imprevisível.

 

Mesmo sendo terror segundo o manual básico, é feito por alguém que conhece o género de trás para a frente, e é por isso um filme que se vê bem como entretenimento. Só que em vez da aula de apresentação, o que queríamos mesmo ter visto era aquela aula em que a matéria começa mesmo a complicar-se. O argumento de "The Ward" nem sequer é do próprio Carpenter, o que talvez explique a sensação que tive de estar a ver um aluno brilhante a copiar o teste do aluno médio da turma. Ninguém está à espera que Carpenter supere o "Halloween", mas todos sabemos de que é capaz de muito melhor do que isto.

Espero que isto seja apenas o aquecimento para o grande regresso, e que John Carpenter nos dê em breve um clássico para os anos 2000 com o seu toque pessoal dos anos 80.  porque o Cinema de terror e sobrenatural está mesmo a precisar da sabedoria de um dos seus grandes mestres, nem que seja para contrariar o zombie do remake que já atacou os seus "Halloween" e "The Thing", e que tem andado a trabalhar numa maneira de dar também uma mordidela no Snake Plissken.

 

 

6/10

 

 

 

publicado por RJ às 15:34
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Terça-feira, 6 de Setembro de 2011

Space cowboys

 

"Cowboys & Aliens"

 

Meacham: God doesn't care who you were. He only cares who you are.

 

 

Cowboys a combater extraterrestres é uma ideia que faz surgir na minha mente três produtos finais distintos: uma comédia que satiriza dois géneros cinematográficos e a própria ideia de cruzamento de géneros; um filme de baixo orçamento do canal Syfy de qualidade altamente duvidosa, demasiado cheesy para nos conseguir sequer abstrair da realidade; e o filme mais épico de sempre, especialmente se os cowboys que combatem os extraterrestres forem o James Bond e o Indiana Jones.

Os primeiros guiões escritos para o filme lidavam com o conceito de forma mais cómica, só mais tarde é que se decidiu seguir a abordagem séria, a tal de fazer um entretenimento de contornos épicos. E é muito, mas mesmo muito difícil imaginar um filme em que cowboys lutem contra extraterrestes que não seja ridículo, mas vá-se lá saber como, durante as duas horas do filme, eu nunca duvidei de que houvesse naves espaciais a pairar sobre o Velho Oeste.

 

Se o "Super 8" foi o filme de ficção-científica fofinho do Verão, "Cowboys & Aliens" é a ficção-científica com injecção de esteróides. A tarefa que tinha para fazer, evitar que o espectador risse quando via uma nave perseguir durões do Oeste montados a cavalo, é cumprida, e em vez de observar tudo o que se passava no ecrã como algo ridículo, fui levado para dentro daquele universo e entretido de forma mais do que satisfatória. Não é um filme-pipoca do Michael Bay, está uns pontos acima porque não cai no exagero de cobrir completamente as planícies do Oeste de fogo-de-artíficio, e saca também mais uns pontos por ter executado bem o conceito original que apresenta. O desenvolver da história oferece alguns pormenores que ajudam a que a invasão extraterrestre não seja um cliché tão grande como costuma ser, e que adequam estes visitantes do Espaço ao ambiente dos cowboys.

Daniel Craig e a lenda viva que é Harrison Ford não deslumbram, mas fazem o que era esperado para o tipo de filme que é. Craig cumpre, como sempre, os requisitos de protagonista durão. Se o seu James Bond era capaz de entrar na Casa Branca só à força de murros e pontapés, este Jake Lonergan roubava o Fort Knox com um punho atrás das costas. Ainda que, claro, se o cowboy durão fosse o Clint Eastwood, os extraterrestres não tinham sequer chegado a aterrar. A Olivia Wilde, é a indispensável presença feminina, para não termos de estar só a olhar para homens barbudos durante duas horas, mas aguardo por a ver noutro tipo de projectos porque me parece que é uma actriz que ainda tem muito para dar.

 

É entretenimento vindo de quem sabe como entreter sem reduzir demasiado o nosso QI, que cruza eficazmente dois géneros que à partida, reagiriam à presença um do outro como a água e o azeite. Só a imagem da figura cowboy de Craig a abater extraterrestres com uma arma futurista, com a rapidez de um Lucky Luke basta para compensar qualquer dinheiro extra gasto em tempo de crise, e compra uma tarde muito bem passada. Caramba, são o James Bond e o Indiana Jones no Velho Oeste a combaterem extraterrestres, se essa premissa não vos convence não sei que mais o fará, porque "Cowboys & Aliens" é isto, uma autêntica fantasia saída da cabeça de miúdos que gostam de levar as suas personagens preferidas para cenários impossíveis no recreio da escola.

 

 

7.5/10

 

 

 

publicado por RJ às 20:48
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